Em setembro 2016, foi lançado o programa “Combustível Brasil” hoje denominado “Abastece Brasil” pelo Ministério de Minas e Energia. Os temas apresentados foram bastante relevantes, em especial os que se referiam ao monopólio da Petrobras nos combustíveis e derivados.
O objetivo era, entre outros, realizar estudos acerca das estruturas do mercado e da atuação integrada nos diversos elos da cadeia de combustíveis, em especial dos derivados de petróleo e biocombustíveis, tendo em vista a necessidade de garantir atratividade para novos investimentos.
No caso específico do GLP, muito se falou nas questões estruturais e logísticas e, também, em propor a revogação da Resolução CNPE nº 4/2005, que reconhece como de interesse para a política energética nacional a prática de preços diferenciados para o GLP. Discutiu-se também a reavaliação das restrições de usos para o GLP.
A partir daí, criou-se uma forte discussão entre agentes públicos e privados do mercado, visando estimular a livre concorrência do setor com a entrada de novos players.
Ao longo de mais de dois anos de encontros e debates, a percepção que se tem é de que faltou algo mais forte para que as autoridades competentes olhem para o segmento de GLP, que quase nada ou nada evoluiu dentro do programa, a não ser a questão da bitributação do GLP oriundo do GN que ainda persistia em quatro estados e que foi superado.
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, anunciou, no dia 11 de abril, que o governo federal vai abrir o mercado de gás natural à concorrência, no dia 24 de abril na abertura do programa “Abastece Brasil”, o Ministro afirmou que, o objetivo do programa é a promoção da concorrência no setor, atuando na diversificação de atores, na atração de investimentos em refino e logística, no fim da diferenciação de preços do gás liquefeito de petróleo (GLP) e no combate à sonegação e à adulteração de combustíveis.
Por sua vez, sobre o mercado específico de GLP, que sofre de uma série de problemas, como o fim da verticalização não consumada, mesmo após 3 anos de discussão com o setor e mais 3 anos da edição da resolução 51/16 que colocava fim a verticalização, esta virou uma colcha de retalho e com previsão de mais remendos nos próximos dias, o crescente comércio clandestino sem controle – só para citar algumas -, nada foi dito ainda.
As distribuidoras de GLP reclamam em seus artigos patrocinados, que não está havendo foco no aumento da concorrência na produção e importação do produto e que a ANP tem focado justamente na distribuição. Argumentam, ainda, haver competitividade nesse elo da cadeia.
Outros atores citam a segurança como meio de proteger a barreira de entrada de novas tecnologia no setor, condenando-o a não ter nenhuma evolução, a não ser no formato atual, que foi construído pelo oligopólio da distribuição ao longo dos anos.
Afirmo que não há competitividade em um setor que tem apenas nove grupos econômicos que envasam o GLP em recipientes transportáveis e, destes, cinco detêm 94% do mercado. Há outras seis pequenas distribuidoras operando apenas com GLP a granel. Juntas, estas possuem apenas 0,4% de market share. Isso ocorre por não terem viabilidade de envase devido à barreira de entrada instituída pelos vasilhames.
Isto posto, não é verdade que existe no Brasil 19 competidores na distribuição de GLP envasado, pois temos apenas nove grupos econômicos que detêm as marcas do envasado.
No Brasil, existe – isto sim! – um oligopólio na distribuição de GLP, e as poucas empresas dominantes guiam suas políticas de produção e comercialização com formatos idênticos, por saberem que a concorrência é quase inexistente entre elas, resultando em uma estrutura de mercado de concorrência totalmente imperfeita.
Quando se fala em estimular a livre concorrência na produção, tem que se falar também em estimular a livre concorrência na distribuição do GLP envasado, é inexistente a competição na distribuição – basta verificar o histórico do GLP no CADE.
Sendo assim, não havendo competição na distribuição, o setor de revenda – hoje composto por mais de 70 mil revendedores autorizados pela ANP – ficou à mercê de políticas comerciais leoninas, amarrados em contratos unilaterais e competindo no mercado com a próprio fornecedor, com armas totalmente desproporcionais por não ter concluído ainda o fim da verticalização.
A opção de revenda independente (bandeira branca), aquela que pode comercializar todas as marcas, está fadada ao insucesso, porque esse modelo de negócio não consegue comprar produtos de várias distribuidoras como ocorre nos combustíveis claros, ou seja, só conseguem adquirir produto de terceiros, o que inviabiliza a sobrevivência da atividade.
As distribuidoras que detêm o envase lutam para manter esse oligopólio por meio de suas marcas, o que representa a principal barreira para entrada de novos players no mercado de envasado.
Respeito a marca, a tradição histórica de cada distribuidora, assim como os consumidores, que também criam vínculos históricos com cada uma delas. Mas não podemos assegurar a concentração de mercado por meio do oligopólio do recipiente, que é de propriedade do consumidor.
Na ADI 2.359 (Ação Direta de Inconstitucionalidade), julgada pelo supremo em 2006, o relator, ministro Eros Grau, observou que o consumidor é proprietário do botijão usado para o acondicionamento do gás, “logo, o que adquire da distribuidora ou revendedora, contra o pagamento de determinado preço, é apenas o gás liquefeito de petróleo, uma vez que o botijão ele há de ter adquirido em um momento anterior”.
A ADI 2.818 RJ, julgada em 2013, define-se por unanimidade que a referida lei 3.874/2002 RJ, que trata do tema relacionado ao envase em OM, é constitucional, portanto, mais uma vez conclui-se que os referidos vasilhames são dos consumidores, conforme trecho citado no acórdão na página 12. “Aposta em bem fungível, indica, única e exclusivamente, no caso, que seu primeiro proprietário, quem pela vez primeira utilizou o botijão para acondicionar gás, foi (no passado) a distribuidora ‘X’ — ou ‘Y’. Vendido o botijão ao consumidor, sua propriedade passa a ser do consumidor. A distribuidora perde a propriedade que dele detivera”.
Importante salientar que, dos estimados 117 milhões de botijões hoje em circulação no país, apenas15% fazem parte da operação das distribuidoras. Os demais 85%, são de propriedade dos consumidores e revendedores.
Dessa forma, qual é o entrave para que esse patrimônio que não pertence às distribuidoras detentoras das marcas seja usado de forma adequada e regulada pela ANP para o envase por outras distribuidoras?
O custo de requalificação do recipiente, feito a cada 10 anos, quando analisado em sua validade, chega a ser algo imperceptível quando se compara a falta de competição do setor de distribuição.
A exemplo do que há em outros segmentos, há soluções para partilhar o uso de estruturas. Há soluções parecidas em outros segmentos, como o de transporte de energia e elétrica, feito pela rede de propriedade de outra operadora, além dos setores de telefonia ou dutos de transportes de líquidos.
Portanto, a distribuição é o elo que garante as variáveis competitivas do mercado, desde que exista competição entre elas. É esse ambiente que precisa ser criado.
É necessário que o órgão regulador atente para as próximas decisões da agenda regulatória, focando suas análises na produção/importação e na distribuição. É preciso atingir o elo certo na cadeia do GLP e, assim, certamente teremos consequências positivas para os investimentos e produtividade no segmento como um todo. Com mais competição, certamente mais benefícios terá o consumidor final.
José Luiz Rocha – Presidente da Abragás